Continuando a seguir a estratégia do “toca e foge” para testar a reacção, o governo, mais uma vez, deixou “escapar” – o que significa que “enviou deliberadamente” – para a imprensa mais umas “notícias” sobre a “reforma” da função pública. Saíram hoje na pag 12 do Diário Económico, versão papel.
A notícia, aparentemente, não tem grande substância. Porém, implicitamente, diz bastante sobre as intenções do governo, a sua qualidade e o mecanismo que servirá de “alavanca” para levar a cabo aquilo que, pomposamente, designa como “reforma” da função pública”: o “terror”.
1. Resumidamente a notícia diz que poderão “ir parar” aos "excedentes" os funcionários que tiverem piores classificações de serviço (de acordo com o novo SIADAP).
Esta “dica”, servida assim, “a sêco”, tem, desde logo, como primeira utilidade, “amestrar” e “fidelizar” os funcionários: ou “caem no goto” da “nomenklatura” ou vão para ao “gulag”. Portanto, toca a “partir pedra” ao som do tambor.
2. Em segundo lugar a mesma “dica” é utilizada como “teste BCG”: destina-se a avaliar a reacção que a adopção da medida anunciada pode suscitar.
Se ninguém disser nada – como aliás já é costume – a medida pode avançar em força.
Nestes tempos que correm fica bem e é bonito dizer mal, em geral, dos funcionários públicos – é politicamente correcto, é fácil, colhe aplauso geral, e para quem exerce funções politicas, dá popularidade.
Mesmo que não se saiba bem a razão porque se diz mal, o que importa é que se diga.
Mesmo que sejam esses funcionários públicos, “os maus”, quem assegura aos políticos e demais concidadãos, “os bons”, o funcionamento de um Estado sem rumo, que voga ao sabor das orientações políticas do momento que “mudam como o vento”, e que para assegurarem esse funcionamento os funcionários se vejam compelidos a aplicar uma imensidão de normas, as mais das vezes contraditórias, (já para não falar na sua substância) que os políticos aprovaram para dar resposta a interesses de momento, políticos ou outros.
Um Estado que maltrata os seus funcionários públicos – que são, afinal quem verdadeiramente o corporiza e faz funcionar – vilipendiando-os, tratando-os com desprezo e assacando-lhes todos os defeitos, est´a esquecer-se que o Estado “é” os seus funcionários e que estes são o espelho do Estado – se os funcionários são maus, o Estado não será melhor.
Perante o ambiente criado a respeito dos funcionários públicos, ninguém contestará (em especial a oposição, para não se “queimar”), qualquer medida decretada pelo governo que os “atinja”, mesmo que seja um regime de “trabalhos forçados” para a função pública.
Os sindicatos, esses, poderão “refilar”. Contudo, pela sua actuação as mais das vezes infantil, irrealista ou irresponsável, acabam por merecer que, como diz o ministro Costa da PSP e GNR, “ninguém os ouça”.
3. Porém a notícia diz um pouco mais: também a idade e o tempo de serviço serão critérios para escolha de quem vai para os “excedentários”. Mas não diz mais do que isto.
Ora cá está outro “aviso-teste”. “
A vol d’oiseau” a “notícia” fala da "idade" e do "tempo de serviço" como critérios de escolha de futuros “excedentes”. Não adianta, contudo, qualquer ideia sobre como vai ser feita a sua utilização.
O governo (ou alguém a mando) transmitiu apenas os “critérios”. Depois, "abrigado" na posição de que oficialmente nada foi dito, espera as reacções, para “corrigir o tiro”.
Não se sabe assim se serão os mais novos ou os mais velhos na idade, os mais antigos ou os mais recentes na função pública a ir para os “excedentes”.
Mas uma coisa é certa: os excedentes vão servir como “gulag”, para onde serão “atirados” todos aqueles que não preencham os "critérios" do governo e de quem este se queira “ver livre”, obrigando-os a abandonar “voluntariamente” a função pública.
Por outro lado, atirando os mais velhos e com mais tempo de serviço para os “excedentes”, o governo poupa “a dois carrinhos”: no vencimento, porque a permanência nos excedentes implica diminuição de vencimento; e na reforma, porque a aposentação será calculada com base na remuneração auferida na situação de excedentário.
No final o que o governo pretende é que à sombra do “ódio” que se levantou (e para o qual ele contribuiu substancialmente) contra os funcionários públicos, levar por diante um conjunto de medidas, umas necessárias, outras claramente excessivas (quando não abusivas e ilegais), com o objectivo de “poupar dinheiro” ainda que declare que quer ”reformar o estado”.
Duas notas finais.
Para “reformar o estado” é preciso saber-se, antes de mais, o que é o Estado e o que se quer que ele seja.
Perante a constante adopção de medidas avulsas na matéria, não se consegue descortinar se o governo sabe o que é o Estado; e desconhece-se a filosofia governamental (se existir alguma filosofia) sobre o que o governo quer que o Estado venha a ser.
Porém, para um governo de um partido que sempre teve um discurso recheado de preocupações sociais, não se pode dizer que esteja mal.
Longe vão os tempos em que um governo deste mesmo partido, o PS, reformou, em 1998, a arquitectura dos escalões do sistema remuneratório da função pública e aumentou os respectivos índices, assim criando um desmedido e inopinado aumento da despesa com vencimentos; ou que, em 1999, passou a permitir promoções nas carreiras da administração local sem as necessárias (ou seja, com nenhumas) habilitações literárias a quem tivesse tido uma entrada irregular na função pública ao nível das autarquias.
Se as coisas hoje estão mal, o PS e os seus governos estão nisso grandemente implicados.
Porém, algum dia haviam de aprender.
Só que começaram a aprender pelo mais fácil – a "velhaquice"!