A propósito da transferência de Rui Pereira do Tribunal Constitucional directamente para o governo, muito se começa já a dizer e a cochichar acerca do Tribunal Constitucional, do seu cariz "político", do carácter “político” dos seus juízes, e mais o que se haverá ainda de ouvir...
Porém o que já não se ouve tanto dizer é que as instituições não existem por si, existem pelos seus membros e através deles.
Deles, dos seus compromissos e atitudes depende a respeitabilidade e prestígio da instituição que integram. Não é possível pretender que seja a instituição a "fornecer" dignidade a quem nela ingressa. Quem nela ingressa é que, pelo seu comportamento, rectidão e respeito pelos compromissos assumidos, confere dignidade, prestígio e independência à instituição.
E, ao conferir prestígio, dignidade e independência à instituição, os seus membros estão, assim, a protegê-la de terceiros que, colocados no exterior, ainda que em cargos de relevo, a entendem como um qualquer objecto do seu poder, e por isso, controlável. Ou, por não ser controlável, então objecto de “saque”, como
révanche.
Com estes episódios, quem fica mal na fotografia não é, certamente, o Tribunal Constitucional.
Quem fica mal, antes do mais, são as pessoas protagonistas dos acontecimentos – e é bom não esquecer que as pessoas são livres nas suas escolhas.
Mas, também as instituições que patrocinam e propiciam estas situações não saem incólumes.
No caso, quem fica mal na fotografia é, desde logo, o PS.
Ao escolher Rui Pereira para o cargo de juiz do Tribunal Constitucional e ao acalentar-lhe a esperança de ele vir a ser vice-presidente do Tribunal – quando sabia, ou devia saber, que o cargo do vice-presidente resulta de eleição pelos seus pares e que estes são, felizmente, homens livres. Ao menosprezar a independência dos juízes do Tribunal Constitucional, o PS julgou-os “controláveis” pelo ou “subjugáveis” ao poder político, ainda que detido por uma confortável maioria. Esqueceu-se que por natureza o poder judicial é (ainda) um poder independente e autónomo. Felizmente …
Depois quem também fica mal é o primeiro ministro que não consegue esconder o desagrado que lhe vem causando a independência de actuação e liberdade de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional – vingando-se de tais comportamentos através do "rapto" de um juiz que, eleito por proposta do PS, nem sequer chegou a “aquecer a cadeira”.
O primeiro-ministro, porque ocupa o lugar que ocupa (ainda que sem culpa nenhuma…) devia saber que, a bem do normal funcionamento das instituições e órgão de soberania, há atitudes e comportamentos que não se têm porque não se podem ter, mesmo que apeteça muito.
Ao "desafiar" para o exercício de uma cargo ministerial Rui Pereira, um juiz que o partido, de que o primeiro ministro também é secretário geral, tinha acabado de eleger para juiz da mais alta instância judicial do país, o primeiro ministro demonstrou que não tem respeito pelas instituições envolvidas no processo - e, desde logo, pela Assembleia da República – nem conhece limites de respeito institucional. Para ele, conta apenas a sua vontade …
Por final, Rui Pereira. Os anos como assessor de um juiz conselheiro do Tribunal Constitucional ou de cônjuge de uma juíza conselheira do mesmo, pelos vistos não lhe ensinaram nada …
Sabia, como devia saber, o que é ser juiz do Tribunal Constitucional. Sabia, como devia saber, o modo de eleição do Vice-Presidente do Tribunal Constitucional. Sabia, como devia saber, qual a duração do mandato de juiz. Sabia, como devia saber, o que é o múnos de juiz do Tribunal Constitucional e o que se lhe exige. Ainda assim, aceitou integrar a lista conjunta de juízes a eleger pela Assembleia da República e foi eleito. Tomou posse. Não foi eleito Vice-Presidente, como pretendia. Ficou pouco mais de um mês e foi para ministro …
Cada um sabe de si.
Porém as escolhas tanto dizem do escolhido como de quem escolhe. E quem o escolheu foi o PS ...
O que não pode ser dito é que o Tribunal Constitucional é o responsável por esta situação ou pela conduta, eminentemente pessoal, dos seus membros e dos demais titulares dos órgãos de soberania.
Quando muito, poder-se-á dizer que, de tempos a tempos, o Tribunal Constitucional se vê confrontado com princípios e critérios de actuação políticos que não serão os mais consentâneos.
E ainda, que em certos tempos, nada mais há a esperar de nada nem de ninguém.
Mas, final e fundamentalmente, sempre se poderá afirmar que a brisa do tempo tudo sopra, tudo leva, tudo apaga …
Sic transit, gloria mundi.
Permanecem as instituições…