Depois dos anúncios dos cortes nos subsídios dos funcionários públicos e da justificação dada pelo primeiro ministro para esse corte - que
os funcionários públicos ganham mais, em média, mais 10 a 15 por cento que os do privado - surgiram imensas opiniões concordantes com os cortes e as razões que foram alegadas para os fundamentar. Refere-se
esta como exemplo.
É certo que perante as circunstâncias são necessárias medidas drásticas, necessariamente dolorosas. Mas mais do que equilibrar as contas públicas, são necessárias medidas que obriguem o país a perceber, de uma vez por todas, que não pode viver acima das suas possibilidades. Que não pode gastar mais do que produz. Que o estado social e intervencionista é um vórtice que só gera despesas e desgraças futuras.
É preciso que o país se convença definitivamente da realidade e deixe de exigir que o Estado lhe proporcione benesses e benefícios para os quais ele não tem manifestamente recursos financeiros, porque o país não os produz (sendo que, para, demagógica e populisticamente, proporcionar essas benesses e benefícios, o Estado, nos últimos 35 anos, e em especial nos últimos 15 anos, se endividou para além de todos os limites pensáveis e admissíveis).
Tudo isto é verdade. Por isso, de uma forma ou de outra, é preciso, agora, cortar drasticamente na despesa dos Estado.
Mas entre isto e dizer-se que, para justificar os cortes nos subsídios dos funcionários públicos, estes têm vencimentos médios superiores em 10% ou 15% aos do sector privado, vai uma grande distância. É que essa justificação constitui uma inverdade (como se diz agora, para se não dizer, cruamente, que se trata de uma mentira).
Para suportar a justificação apresentada é geralmente convocado um
estudo publicado no Boletim do Banco de Portugal de Setembro de 2001, mas com dados relativos a 2000. Parece que ele confirma o que o primeiro ministro disse.
Porém, hoje estamos em 2011. Na última década, como é do conhecimento público, os funcionários públicos foram convocados (ou melhor, foram obrigados) em sucessivos anos (verdadeiramente, em todos os anos), a contribuir com o seu esforço financeiro para o equilíbrio do contas públicas. Por isso, os seus vencimentos degradaram-se de forma notória. Seria bom que a realidade salarial da função pública de hoje fosse ainda a de 2000. Só que hoje essa realidade é bem distinta. Isso mesmo pode-se constatar consultando a
Pordata. Talvez seja bom ver o que aí se diz, para se ter uma noção mais actualizada da realidade e da verdade. É que esta base tem dados até 2009. Ainda que aí se não retrate situação actual, os dados disponíveis dão, ainda assim, um retrato bem mais próximo da realidade. Para que se não pense que, em geral, os funcionários públicos são (todos) uns privilegiados.
É verdade que há carreiras/categorias na função pública que comparativamente com o sector privado têm salários comparativamente superiores. Mas essas são as carreiras/categorias mais baixas (e que geralmente não são atingidas pelos cortes). Mas as categorias superiores - designadamente as de técnico superior da carreira geral - são comparativamente mal pagas. Principalmente quando se tem em consideração o tempo de experiência profissional (representado por tempo de carreira).
Por outro lado, acresce que ninguém refere que estes cortes dão origem a (mais) uma diminuição da amplitude do leque salarial, com a consequente e inadmissível achatamento salarial, aproximando ou igualizando os vencimentos do pessoal administrativo e auxiliar aos vencimentos dos técnicos superiores. Ou seja, pelo caminho que está ser seguido, os licenciados técnicos superiores da carreira geral vão auferir vencimentos iguais e até, mesmo, inferiores ao de pessoal não licenciado, integrado noutras carreiras.
Pensou-se neste efeito? É que não parece que no sector privado isto se verifique.
Dá assim a impressão que o actual primeiro ministro resolveu utilizar a tradicional antipatia aos funcionários públicos (e que foi muito acicatada e explorada pelo anterior primeiro ministro) para justificar a razoabilidade dos cortes. E que há muita gente que julgando conhecer a realidade e tomando a nuvem por Juno, acham nos referidos estudos desactualizados o alento justificatório suficiente para mais uma medida antipática para os funcionários públicos. Porque parece que, por o serem, eles merecem tudo e mais alguma coisa.