Este Natal de Jesus
Há dois séculos que o fez,
Com barro mole, um oleiro.
Verdade não a traduz;
Mas, por ser tão português
- É para nós verdadeiro...
Do grande átrio, todo em ruínas,
Dum palácio pombalino,
Em cuja frente se vê
O nobre escudo das quinas,
Estão, a um canto, o Menino
E a Senhora e São José.
São José tem na cabeça
Um largo chapéu braguês
Derrubado para os olhos;
E a Virgem Maria, essa,
Tem chinelinhas nos pés
E veste saia de folhos...
O Menino está deitado,
Entre as radiações dum halo,
Num loiro feixe de palha;
E uma vaquinha, ao seu lado,
Acerca-se a bafejá-lo
E mornamente o agasalha.
Para o filhinho tão lindo,
Numa expressão em que luz
O seu enlevo de mãe,
A Senhora está sorrindo...
Na boquinha de Jesus
Paira um sorriso também...
Com as mãos no coração,
Com o olhar cristalino
Em que há lágrimas e sóis,
São José, cheio de unção,
Fita a Mãe, mira o Menino
- E sorri-se para os dois...
Um anjo de asas nevadas,
De formas finas e puras,
Este dístico descerra
Das suas mãos delicadas:
Glória a Deus nas alturas
E paz aos homens na terra!
Vêm, pela estrada fora,
Três monarcas em três bravos,
Infatigáveis corcéis.
É que está chegada a hora
Dos mais humildes escravos
Se equipararem aos reis...
Num duo desconcertante,
Dois cegos vão a tanger,
Nos violões, com gesto lento.
É que chegou o instante
Da pobreza merecer
O prémio do sofrimento...
Um coxo de pés cambados
Atira as muletas fora
E a correr, mal pisa o chão.
É que está chegada a hora
Dos tristes, dos desgraçados
- Sentirem consolação...
Toca adufe uma pastora
Para mais outras bailarem
Entre ovelhas e lebréus.
É que está chegada a hora
Daquelas que muito amarem
Serem dilectas de Deus...
Um petiz faz palhaçadas
Com elástico vigor,
Alegria irreprimida,
E, pelas calças rachadas
Ao longo do sim-senhor,
Vê-se-lhe a fralda saída...
É que estão próximas já,
É que já estão vizinhas
As tardinhas comoventes
Em que às turbas pregará
O amigo das criancinhas
Dos corações inocentes...
Augusto Gil,
Natal em
Alba Plena