Ao balcão da Pharmácia
O principal problema da esquerda é um problema teórico. O proletariado desapareceu e acabou por se tornar numa pequeno-burguesia, sem aspirações subversivas mas com aspirações de estatuto e consumo, enquanto a grande massa dos trabalhadores desceu a uma categoria heterogénea e confusa, mais parecida com os "miseráveis" de Victor Hugo ou com os sans-culottes da Revolução Francesa do que com o apoio certo e seguro que em Paris como em S. Petersburgo levou ao poder a classe média. Por outro lado, os capitalistas também já não aparecem à vista do público e são hoje uma entidade obscura e vaga que a esquerda trata por "banca usurária", "especuladores", "casino" financeiro e epítetos desta natureza sem utilidade prática ou significação precisa. Do patrão que estava ali, como em Soeiro Pereira Gomes, com o seu charuto e o seu automóvel, o "explorador" emigrou para uma nuvem, às vezes longínqua, às vezes próxima, nunca exactamente identificável.
Vasco Pulido Valente, hoje, no Público (edição papel)