As facturas
Parece que o fisco, naquele seu "jeito" soberbo, ameaçador e meio terrorista que tanto gosta de usar quando se dirige ao comum do cidadão, resolveu dizer que já abriu "diversos processos de contra-ordenação" a consumidores por falta de exigência de factura.
Se virmos bem, isso não é mais do que aquilo que resulta da lei. Tendo passado a ser obrigatório que todos os consumidores exijam a passagem de factura de todos os consumos que efectuem e que o facto de a não exigirem constitui infracção punível.
Por isso não se percebe bem a razão deste anúncio público do fisco – a menos que ele tenha como único objectivo "espalhar terror" preventivamente, procurando que toda a gente, aterrorizada com a possibilidade de ser apanhada por um "fiscal das finanças" sem ter a factura da bica que acabou de tomar à pressa, antes de ir para o emprego, se veja condenada a pagar uma multa caríssima...
Se foi esse o objectivo, as finanças conseguiram atingi-lo. Mas, mais do que isso, conseguiram pôr meio país contra o fisco.
Neste campo, um ex-secretario de estado, homem de cultura e escritor, resolveu "revoltar-se" e dizer, de uma forma que pretendeu que fosse mais polida, que se um "fiscal das finanças" lhe pedisse uma factura de algum dos seus gastos, o "mandava apanhar no cu".
Dizer coisas destas, num tempo destes, é, desde logo, garantia de sucesso e de divulgação. E tanto mais sucesso e divulgação quanto o seu autor é um ex-governante. O gáudio que isso provoca junto de certa comunicação social, por exemplo, é imenso. Uma "boca" destas pode bem caber numa conversa de café. Mais já não parece que seja curial na caneta de um ex-governante e homem da cultura.
O anuncio das finanças é arrogante e terrorista. A afirmação do ex-governante é despropositada.
No final de tudo isto ninguém diz que, afinal, este problema das facturas é apenas uma das faces visíveis e sensíveis do fenómeno da fuga ao fisco. Se toda a gente pagasse os seus impostos, se não houvesse uma grande número de actividades que se mantêm "fora" do sistema tributário, com a cumplicidade de todos nós, nada disto aconteceria. A economia paralela seria menor, seria tributada e nós todos pagaríamaos menos impostos.
Pode ser tonto - é tonto - multar alguém porque não exigiu a factura do sua bica, do seu jornal ou da engraxadela dos sapatos.
Mas se isso é tonto, se é absurdo, então que se peça, que se exija, que se imponha a revogação da lei - mas não que se diga que se manda o fiscal das finanças "apanhar no cu" quando ele apenas se limita a cumprir as suas funções e a aplicar a lei.