Sem mais palavras
Francisco Mendes da Silva, n'O Acidental:
Mais do que reduzir o estado, a tarefa imediata de um conservador ou liberal, em Portugal, bem que podia ser a da sua moralização. Mais do que emagrecer o estado - objectivo louvável -, talvez não fosse má ideia começar por defender a identificação clara da relação estado/indivíduo como um vínculo tendencialmente contratual.
Dois exemplos:
1. O arresto dos bens dos contribuintes com dívidas superiores a cinquenta mil Euros. A Administração Fiscal - pesada, lenta, ineficaz e que, segundo recentes estatísticas, perde em Tribunal cerca de 70% das impugnações de liquidações adicionais - não consegue promover grande parte das execuções a tempo de evitar a prescrição das dívidas. Tudo por culpa de um estado que nunca a soube reformar e adaptar à modernidade.
Perante o cenário, que faz o estado? Arresta os bens dos contribuintes que alega estarem em dívida como medida de precaução, afectando-os desproporcionalmente nas suas garantias essenciais. Sejam quatro ou oito anos, o estado português demora demasiado tempo a cobrar os impostos e a provar que os mesmos são efectivamente devidos. O contribuinte que espera vive num limbo de incerteza, com as garantias cada vez mais reduzidas pela impreparação do estado.
2. O aumento da idade da reforma para a função pública. Uma pessoa entra para a função pública em 1980, com vinte e tais anos anos. Em finais de 2005, com mais vinte e cinco anos, olha para trás, analisa o que foram os melhores anos da sua vida activa e pensa que talvez pudesse ter gozado um pouco mais os seus rendimentos, que talvez pudesse ter esbanjado mais e investido ou poupado menos. Alegra-lhe, porém, o facto de se poder reformar daí a meia dúzia de anos com a certeza de que, com este esforço, os seus filhos terão um início de vida activa muito mais desafogado do que aquele que o pai ou a mãe tiveram. Nada faz prever que assim não seja. Foi um acordo que fez com o estado e que, se não foi até agora posto em causa, também não o será quando estamos perto do seu prazo de validade. As partes presumem-se de boa-fé e, como dizem os advogados, há aqui uma expectativa digna de tutela.
O problema é que uma das partes é o estado português, que acha perfeitamente normal, na sua patologia absolutista, alterar por completo as regras do jogo, as condições do negócio, não no início da sua vigência, nem sequer a meio, mas quando este se aproxima do seu fim.
Não está em causa a bondade intrínseca da equivalência entre os regimes de aposentação público e privado. Mas um estado digno e justo saberia, como eu já uma vez escrevi aqui no Acidental, distinguir as situações e as expectativas. Porque é completamente diferente a pessoa de vinte e tal anos que tem toda uma vida activa pela frente, de preparação da sua aposentação, daquela que porventura se esforçou mais do que gostaria para se reformar de consciência tranquila e que, de repente, descobre que tem de trabalhar mais quinze anos. Um estado digno e justo é previsível e merecedor de confiança.
É para mim incompreensível o apoio de muitos conservadores e liberais a esta ideia peregrina. Não são eles que defendem estar a salvação da Segurança Social numa mudança de paradigma, na liberdade de escolha público/privado? São. E o que é que esta medida vai permitir? Nada. Trata-se apenas de um balão de oxigénio. Se o sistema não entra em ruptura daqui a dez anos, entra daqui a quinze. Nada mais se consegue do que o prolongamento da agonia do sistema e do estado-providência irreformável.
O estado português promove a indigência de espírito, o esbanjamento irresponsável e a não preocupação inter-geracional. O estado português goza com o esforço das pessoas.
De que serve reduzi-lo se, na sua proporção remanescente, com toda a sua imprevisibilidade, este se continua a portar como um pulha?
Nada a acrecentar, para além de que é exactamente esta a medida da "honestidade" do Estado em que vivemos.
Mais do que reduzir o estado, a tarefa imediata de um conservador ou liberal, em Portugal, bem que podia ser a da sua moralização. Mais do que emagrecer o estado - objectivo louvável -, talvez não fosse má ideia começar por defender a identificação clara da relação estado/indivíduo como um vínculo tendencialmente contratual.
Dois exemplos:
1. O arresto dos bens dos contribuintes com dívidas superiores a cinquenta mil Euros. A Administração Fiscal - pesada, lenta, ineficaz e que, segundo recentes estatísticas, perde em Tribunal cerca de 70% das impugnações de liquidações adicionais - não consegue promover grande parte das execuções a tempo de evitar a prescrição das dívidas. Tudo por culpa de um estado que nunca a soube reformar e adaptar à modernidade.
Perante o cenário, que faz o estado? Arresta os bens dos contribuintes que alega estarem em dívida como medida de precaução, afectando-os desproporcionalmente nas suas garantias essenciais. Sejam quatro ou oito anos, o estado português demora demasiado tempo a cobrar os impostos e a provar que os mesmos são efectivamente devidos. O contribuinte que espera vive num limbo de incerteza, com as garantias cada vez mais reduzidas pela impreparação do estado.
2. O aumento da idade da reforma para a função pública. Uma pessoa entra para a função pública em 1980, com vinte e tais anos anos. Em finais de 2005, com mais vinte e cinco anos, olha para trás, analisa o que foram os melhores anos da sua vida activa e pensa que talvez pudesse ter gozado um pouco mais os seus rendimentos, que talvez pudesse ter esbanjado mais e investido ou poupado menos. Alegra-lhe, porém, o facto de se poder reformar daí a meia dúzia de anos com a certeza de que, com este esforço, os seus filhos terão um início de vida activa muito mais desafogado do que aquele que o pai ou a mãe tiveram. Nada faz prever que assim não seja. Foi um acordo que fez com o estado e que, se não foi até agora posto em causa, também não o será quando estamos perto do seu prazo de validade. As partes presumem-se de boa-fé e, como dizem os advogados, há aqui uma expectativa digna de tutela.
O problema é que uma das partes é o estado português, que acha perfeitamente normal, na sua patologia absolutista, alterar por completo as regras do jogo, as condições do negócio, não no início da sua vigência, nem sequer a meio, mas quando este se aproxima do seu fim.
Não está em causa a bondade intrínseca da equivalência entre os regimes de aposentação público e privado. Mas um estado digno e justo saberia, como eu já uma vez escrevi aqui no Acidental, distinguir as situações e as expectativas. Porque é completamente diferente a pessoa de vinte e tal anos que tem toda uma vida activa pela frente, de preparação da sua aposentação, daquela que porventura se esforçou mais do que gostaria para se reformar de consciência tranquila e que, de repente, descobre que tem de trabalhar mais quinze anos. Um estado digno e justo é previsível e merecedor de confiança.
É para mim incompreensível o apoio de muitos conservadores e liberais a esta ideia peregrina. Não são eles que defendem estar a salvação da Segurança Social numa mudança de paradigma, na liberdade de escolha público/privado? São. E o que é que esta medida vai permitir? Nada. Trata-se apenas de um balão de oxigénio. Se o sistema não entra em ruptura daqui a dez anos, entra daqui a quinze. Nada mais se consegue do que o prolongamento da agonia do sistema e do estado-providência irreformável.
O estado português promove a indigência de espírito, o esbanjamento irresponsável e a não preocupação inter-geracional. O estado português goza com o esforço das pessoas.
De que serve reduzi-lo se, na sua proporção remanescente, com toda a sua imprevisibilidade, este se continua a portar como um pulha?
Nada a acrecentar, para além de que é exactamente esta a medida da "honestidade" do Estado em que vivemos.