A arte de furtar
Outro modo há demais admirável, de furtar fazendo mercês, que entra em maior custo e toca em sujeitos mais altos, assim nas perdas como nos ganhos. Aprestam-se as náus para a Índia, não há pilotos, nem bombardeiros, porque são ofícios cujas artes já se não professam nem ensinam. Oferecem-se os lacaios dos maiores senhores a seus amos, porque sabem que têm maiores lucros nêles que em pensar as mulas e frisões dos coches. E tal houve, que, dizendo-lhe seu amo: «Como podes tu ser piloto de uma náu, se nunca entraste nela, nem sabes que coisa é balestilha nem astrolábio?» «Não repare Vossa Senhoria nisso - respondeu ele, - porque as naus da Índia não hão mister pilotos; sempre ouvi dizer que Deus as leva e Deus as trás». E fiados nisto ou em seus intentos, que eles saberão quais são e nós também, - provêm os ofícios das naus de maneira que, quando vêm à praxe e exercício deles , nenhum sabe qual é a sua mão direita. E por isso vão dar com as naus por essas costas e se deixam render nas ocasiões da peleja.
(A arte de furtar, cap. VIII)