... o artigo de Zita Seabra, no Observador. Porque anda muita "istória" a ser contada por aí...
Os que viveram esses tempos omniosos (esses sim, omniosos...), sabem bem o que aquilo foi e como as coisas se passaram, se estiveram atentos e não foram alienados.
Mas aos que os não viverem é necessário, é indispensável, relatar o rigor dos factos, não só para que os conheçam mas também para que não fiquem esquecidos no pó dos tempos - porque há muito gente a querer "branquear" o "imbranqueável" negrume desse período e a querer, seraficamente, reescrever um momento de "história danada" de Portugal, inventando, para tal, uma nova "narrativa" (como dizem os pós-modernos...), cheia de "paz e amizade".
Leia-se, então....
A história do 25 de Novembro de 1975 está feita e bem documentada. Vários
testemunhos e memórias de quem participou registaram esse dia
inesquecível para quem o viveu do lado dos vencedores ou dos vencidos.
No entanto, parece-me importante recordar alguns factos e homenagear os
intervenientes decisivos para os acontecimentos marcantes desses dias
que puseram fim ao PREC e à tentativa de tomada de poder pelo PCP, unido
às forças civis e militares da esquerda radical.. Não seria necessário
escrever este texto se não existisse tanto empenho por tantas pessoas em
fazer esquecer esta data ou deturpar a ocorrência.
...
Se os comunistas não quisessem e não tivessem como objetivo estratégico
passar à fase seguinte da revolução, ou se simplesmente desejassem
construir um país livre e democrático, uma democracia liberal, um Estado
de Direito, fazer a descolonização, tal teria acontecido e sem mais
sobressaltos revolucionários. Mas esse não era o objetivo, nem essa
perspectiva constava do programa do PCP. Sonhava-se com uma sociedade
socialista a caminho do comunismo. Esclarecia-se mesmo que esta
pretensão era científica e inevitável, tal como tinha sido escrito por
Marx e Engels e concretizado por Lenine. Assim, passou-se de imediato,
desde a chegada de Cunhal ao aeroporto, a concretizar esse objetivo,
razão de ser da existência e da luta dura que o PCP travara durante a
ditadura. Não se pretendia preparar um novo golpe de estado, mas antes
passar à insurreição popular armada, resultante de uma aliança
povo/militares ou, como se chamou em Portugal, Aliança Povo/MFA, para
alcançar a revolução socialista.
...
O PCP tinha um rumo claro e preciso da tática e da estratégia a seguir
na luta pelo socialismo até ao comunismo. Para isso aproveita bem o 11
de Março e, a partir do gabinete de Vasco Gonçalves, concretiza-o quase
literalmente.
Partindo dos Governos de Vasco Gonçalves e do seu
gabinete, juntamente com os sectores radicais de esquerda política e das
forças armadas, avançou-se para as nacionalizações, a reforma agrária,
Caxias encheu-se com mais presos políticos do que havia antes do 25 de
Abril.
...
O PCP fez tudo para impedir as eleições para a Constituinte porque o
povo, dizia, não estava preparado para tal. Conseguiu adiá-las, mas a 25
de Abril realizaram-se e perdeu-as mesmo com o apelo do MFA para que
aqueles que não soubessem muito de política votassem em branco. Perdeu
as eleições e logo a seguir, numa clara demonstração de que não
reconhecia os resultados, o PCP impediu a entrada do Dr. Mário Soares no
estádio 1 de Maio, ele o vencedor das eleições.
Em choque de
manifestações, barricadas e medição de forças viveu-se depois o verão
quente. O poder estava na rua e os sovietes “à portuguesa” proliferavam:
comissões de trabalhadores, comissões de moradores, quartéis sublevados
para rumar à Revolução socialista o Povo e o MFA. O governo, que não
correspondia ao resultado eleitoral, não tinha qualquer poder, como
reconheceu Pinheiro de Azevedo. Havia armas e barricadas por todo o lado
para quê? Com que objetivo estratégico? Expliquem bem a tese dos que
asseguram que o PCP não queria o poder revolucionário.
Só parou no
25 de Novembro confrontado com a realidade militar e civil que se lhe
opunha. Não recuou no seu Programa revolucionário por ordem de
Ponomariov, nem de Suslov, que não quereriam uma Cuba na Europa, como
escreveu o historiador José Pacheco Pereira esta semana no Jornal
Público. Essa tese é uma diminuição ridícula de Álvaro Cunhal, que
recuou porque a correlação de forças se tornou evidente pela ação das
chefias da Força Aérea, dos Comandos e dos militares moderados do Grupo
dos Nove, do general Eanes e dos partidos democráticos de Mário Soares,
Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Freitas do Amaral e da Igreja
católica. O PCP recuou quando Cunhal percebeu que não tinha outro
caminho e não podia fazer mais nada.
...
Decisivo neste percurso do PREC foi, desde logo, o dirigente Jaime Serra,
membro da Comissão Política e do Secretariado do PCP. Era um verdadeiro
revolucionário, herói mítico do PCP, e um dos fundamentais homens de
confiança do Álvaro Cunhal. Diria, sem exagero, que Jaime Serra foi
sempre visto como um Trotsky (militar e estratega da ação) pela vida
revolucionária que levou.
...
Gostava de estar sempre no meio da ação revolucionária para ajuizar
pessoalmente das decisões, foi deputado à Constituinte e foi um dos
cercados no mês de Novembro. Na verdade Jaime Serra foi um dos que
preparou as ações revolucionárias do PCP, participando pessoalmente em
reuniões do MFA, como se sabe, incluindo as que decidiram a ocupação das
bases aéreas na madrugada de 25 de Novembro. ... comandava e preparava a insurreição
popular armada ... . Jaime Serra
foi o controleiro dos militares comunistas de patente e o responsável
pelo sector militar até ao 25 de Novembro e fundamental na decisão de
avançar no Verão Quente e na orientação dos militares comunistas, mas
também para recuar no dia 25 de Novembro.
...
A tese bizarra de que Cunhal recuou durante o Verão Quente, ou depois da
Assembleia de Tancos, e de que nada tem a ver com o 25 de Novembro, não
faz qualquer sentido se olharmos para Melo Antunes e as suas atitudes
públicas. Como explicar a declaração de Melo Antunes nesse mesmo dia?
Tenho dele a memória de um homem culto, racional, sabendo sempre o que
queria fazer, pelo que não se percebe porque iria falar da não
ilegalização do PCP se nada se passava com o Partido Comunista e o golpe
se resumia a umas aventuras irresponsáveis entre militares baralhados e
radicalizados?
...
... Os comandos eram um foco determinante de resistência aos militares
revolucionários do PCP e da extrema-esquerda. Foram dos primeiros a
perceber para onde caminhava a revolução e a organizar os comandos para a
resistência. O culminar deu-se no dia 25 de Novembro. Foram pôr ordem
em diversos locais e sofreram baixas frente à Polícia Militar. Mas
particularmente significativo e eficaz foi o facto de os comandos
cumprirem com a libertação da RTP.
A liberdade de imprensa tinha
sido gravemente atingida no Verão Quente. Saramago, então no Diário de
Notícias, saneara todos os jornalistas de esquerda e de direita não
pró-comunistas, o jornal República foi atacado, a Renascença cercada e a
RTP ocupada, no dia 25 de Novembro. ...
...
Os Comandos de Jaime Neves foram interromper a RTP ocupada por Duran Clemente que não estava
a ver o filme com Danny Kaye “O Homem do Diner´s Club”, pois isso só
aconteceu depois de o Major José Coutinho retirar a emissão do ar. Não
foi certamente para passar o tempo que o Presidente da RTP, o Major
Pedroso Marques, foi fechado numa sala do Lumiar por Duran Clemente e
libertado por ordem de Eanes.
... Nos quartéis do Sul, excetuando os Comandos que sempre se mantiveram
unidos e prontos a defender o regime democrático, havia a maior das
confusões revolucionárias. No Norte, Eurico Corvacho, que comandava a
região militar e era muito próximo do PCP e amigo pessoal de Ângelo
Veloso, sendo que por lá eram poucos os militares da esquerda radical,
foi demitido e substituído por Pires Veloso. Essa substituição foi
fundamental para que os partidos democráticos ameaçassem mudar a
Constituinte para o Norte e que o país fosse divido entre Norte e Sul, a
partir de Rio Maior.
...
Mário Soares, ... ,
durante os primeiros meses após o 25 de Abril, ... acreditava que os
ímpetos revolucionários do PCP e da extrema esquerda civil e militar se
resolveriam com o resultado de eleições livres. Porém, logo no início do
PREC, percebeu que tal não ia acontecer e que teria que enfrentar o
radicalismo revolucionário da esquerda comunista. Percebeu também que
precisaria de demonstrar o apoio popular, na rua, à liberdade e à
democracia, enfrentando o PCP e a esquerda radical civil e militar. Por
estar consciente disto, Mário Soares saiu do cerco da Constituinte pela
residência oficial do primeiro-ministro, indo para o Norte com Sá
Carneiro e o CDS.
Alguém imagina que Mário Soares iria para o
Norte se não existisse uma ameaça real revolucionária no Portugal
libertado da ditadura? A que propósito? Ou que o cerco à Constituinte
tivesse sido apenas uma manifestação dos trabalhadores da construção
civil que se equivocaram e foram solicitar aumentos salariais frente à
Constituinte? Mas isto faz algum sentido?
...
A partir do 25 de Novembro de 1975 o país voltou à calma e o PREC
acabou. Ao longo de vários anos, fez-se caminho para afirmar a
liberdade, a democracia e o Estado de direito. Foi por pouco que
Portugal não foi uma Cuba europeia com consequências humanas,
económicas, cívicas e sociais.
Por isso é importante comemorar o
25 de Abril mas é igualmente importante lembrar o 25 de Novembro que, ao
contrário do que ainda hoje acontece em Cuba, libertou presos de
Caxias, repôs a liberdade de imprensa e consolidou a democracia
ocidental em que vivemos.
...
O PCP recuou nesse dia, ... . O país entrou
assim na normalidade e seguiu o seu rumo. A exceção foram as forças da
esquerda radical, inspiradas por Otelo que não reconheceram a derrota e
acederam ao terrorismo e a diversos atentados das FP25 de Abril,
sucessoras das Brigadas Revolucionárias de Isabel do Carmo e Carlos
Antunes. Essas fizeram diversas vítimas mortais entre as quais uma
criança e o Gaspar Castelo Branco, ...
This entry was posted
on quarta-feira, 26 de novembro de 2025 at 26.11.25.
You can skip to the end and leave a response.

» Enviar um comentário