A ler…
O Estado, câmaras e instituições fazem o mínimo de reformas possível, esperando que tudo passe para se voltar ao mesmo. Grandes empresas, próximas do poder, gravemente atingidas pelas tolices antigas, aparentam uma normalidade oca. Em particular a banca, óbvia protagonista da crise financeira, assobia para o lado, empurrando o buraco com a barriga. A oposição, grande responsável da crise, grita indignada como se lhe fosse alheia, sem realmente apresentar uma verdadeira alternativa à austeridade. Apesar dos disfarces, a patente incapacidade de todas estas entidades em cumprir as suas funções sociais mostra a gravidade da situação.
Funcionários, médicos, professores e muitos outros grupos profissionais, que tanto ganharam nos anos fáceis, tinham de conhecer a trajectória ruinosa que os seus sistemas seguiam. Só com enorme cegueira voluntária podem agora indignar-se perante os cortes de despesas insustentáveis que acumularam diariamente sem denunciar. Pensionistas, subsidiados, munícipes e utentes quiseram acreditar nas benesess que políticos irresponsáveis lhes concediam, apesar de os défices funcionais mostrarem a evidência do embuste. Não só os aceitaram mas erigiram-nos em direitos inalienáveis, apesar de muito superiores às receitas e liquidados por dívida externa. Agora, dizer-lhes que os seus descontos não garantem os níveis prometidos gera fúrias incontroláveis. Os realistas têm de ser corruptos, neoliberais, hipócritas ou mentecaptos, pois nada é mais negativo do que a sinceridade num povo embevecido pela ilusão. A verdade é crime de lesa-pátria.
Ensaio sobre a cegueira, de João César das Neves, no DN.
Não há nada mais incómodo e que "morda" e doa mais que a verdade pura e crua. Não vale a pena andarmos com mais "flores". É isto, e nada mais...