Ao balcão da Pharmácia
A actual concentração de poder nas mãos do primeiro-ministro, sem paralelo na nossa História recente, não só não é boa para o Estado de direito como é política e democraticamente inaceitável.
Tudo começou com o anúncio de uma cruzada sem tréguas contra as "corporações", receita mágica dos populismos de diversas matizes. Tivemos a guerra contra as farmácias, os juízes, os professores, os funcionários, os militares, os polícias, numa lógica implacável de combate aos "interesses instalados". O povo gostou, como gosta sempre quando os apanhados são "os outros". De permeio, uma gestão férrea da informação, doses maciças de propaganda e um cuidadoso desvelo com o manuseamento da agenda política que vai tentando fazer esquecer a realidade do desemprego que sobe, dos impostos que aumentam, do investimento a cair e da saúde aos trambolhões.
Chegámos entretanto a 2007. Temos um primeiro-ministro que já controla, tutela e orienta a acção do Serviço de Informações (SIRP), cujo secretário-geral está na sua directa dependência. Um primeiro- -ministro que vai passar a controlar, tutelar e orientar o Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI), cujo secretário-geral dele igualmente dependerá. Faltava ape- nas a "cereja em cima do bolo", aliás cuidadosamente omitida na apresentação à Assembleia da República das opções fundamentais do SISI: a criação de um Conselho Superior de Investigação Criminal, também ele presidido pelo primeiro-ministro e, pasme-se, com a participação do responsável máximo da Procuradoria-Geral da República que eu iria jurar ser, nos termos da Constituição, dotado de autonomia!
Dito de outro modo, o chefe do Governo, para além de dirigir o Executivo, passará a controlar pessoalmente o sistema de informações, as polícias e a investigação criminal! Amanhã, quem sabe, porque não as tropas e os tribunais? Dirão alguns que tal é feito "apenas" em nome de uma maior eficácia e coordenação. Pois, o problema é esse mesmo. A História está cheia de exemplos de barbaridades que começaram por "pequenas" medidas de concentração de poder em prol da "eficácia" e da necessidade de "coordenação".
[...] Em matéria de direitos, liberdades e garantias não há "eficácia" nem "coordenação" que me levem a aceitar super-homens disfarçados de justiceiros.
Luís Pais Antunes, Deputado e Advogado
hoje, no Diário de Notícias