Ao balcão da Pharmácia
No activo, entre os êxitos, este governo tem, para seu bem e nosso mal, um poderoso dispositivo de controlo e acompanhamento da informação fornecida à imprensa e aos cidadãos. Uma eficiente rede de jornalistas, profissionais de relações públicas, agências de comunicação, empresas especializadas e assessores de vária espécie, têm garantido uma centralidade quase absoluta da informação oficial, que, em Portugal, infelizmente, é a grande parte da informação pública. Com esta teia, o governo tem assegurado um primado de iniciativa como nenhum antes. Por deficiência essencial, por ligações económicas ou por dependência política, um parte muito importante da imprensa escrita, radiofónica ou televisiva resigna-se a um papel de veículo, quando não de transmissora de recados. Como raramente antes, a imprensa portuguesa está, em grande parte, a reboque da “agenda” do governo. Os noticiários de todas as estações de televisão, por exemplo, são dominados pelas iniciativas governamentais, pelas declarações ministeriais, pelas inaugurações oficiais, e pelas oportunidades forjadas para proclamações e recados. Quase sempre sem edição, sem discussão e sem comentário. Não contente com o feito, o governo pretende dar um passo em frente. Quer agora, por enquanto furtivamente, depois mais aberta e legalmente, criar um clima de contenção e receio. O episódio da ERC, no qual aquela entidade estatal se atreveu a dar lições e fazer ameaças ao director do jornal, é um momento revelador da passagem da estratégia de ocupação do espaço à de imposição de um ambiente legal.
Este governo está à beira de pensar o impensável: dá sinais de acreditar em que a liberdade dos cidadãos é incompatível com o poder. O seu.
António Barreto, no Retrato da Semana,
hoje, no Público (link só para assinantes)