Portugal, século XXI
Ninguém - Que andas tu i buscando?
Todo Mundo - Mil cousas ando a buscar
delas não posso achar
porém ando perfiando
por quão bem é perfiar.
Ninguém - Como hás nome cavaleiro?
Todo Mundo - Eu hei nome Todo Mundo
e meu tempo todo enteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém - Eu hei nome Ninguém
e busco a consciência.
Berzabu - Esta é boa experiência
Dinato: escreve isto bem.
Dinato - Que escreverei companheiro?
Berzabu - Que ninguém busca consciência
E todo o mundo dinheiro.
Ninguém - E agora que buscas lá?
Todo Mundo - Busco honra muito grande.
Ninguém - E eu virtude que Deos mande
Que tope co’ela já.
Berzabu - Outra adição nos acude
escreve logo i a fundo
que busca honra todo o mundo
e ninguém busca virtude.
Ninguém - Buscas outro mor bem qu’esse?
Todo Mundo - Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fezesse.
Ninguém - E eu quem me reprendesse
em cada cousa que errasse.
Berzabu - Escreve mais.
Dinato - Que tens sabido?
Berzabu - Que quer em estremo grado
todo o mundo ser louvado
e ninguém ser reprendido.
Ninguém - Buscas mais amigo meu?
Todo Mundo - Busco a vida e quem ma dê.
Ninguém - A vida não sei que é
A morte conheço eu.
Berzabu - Escreve lá outra sorte.
Dinato - Que sorte?
Berzabu - Muito garrida
todo o mundo busca a vida
e ninguém conhece a morte.
Todo Mundo - E mais queria o paraíso
Sem mo ninguém estorvar.
Ninguém - E eu ponho-me a pagar
Quanto devo pera isso.
Berzabu - Escreve com muito aviso.
Dinato - Que escreverei?
Berzabu - Escreve
que todo o mundo quer paraíso
e ninguém paga o que deve.
Todo Mundo - Folgo muito d’enganar
e mentir naceu comigo.
Ninguém - Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Berzabu - Ora escreve lá compadre
não seja sejas tu preguiçoso.
Dinato - Quê?
Berzabu - Que todo o mundo é mentiroso
e ninguém fala verdade.
Ninguém - Que mais buscas?
Todo Mundo - Lisonjar.
Ninguém - Eu som todo desengano.
Berzabu - Escreve ande lá mano.
Dinato - Que me mandas assentar?
Berzabu - Põe aí mui declarado
não te fique no tinteiro
todo o mundo é lisonjeiro
e ninguém desenganado.
Gil Vicente, Auto da Lusitânia,1532