A ler, sem falta...
Estamos tão afogados em boas notícias que nem notamos que estamos… afogados
Saíram os números do INE sobre o crescimento económico no 3º trimestre e o país – literalmente – embandeirou em arco. 1,6% de crescimento homólogo. 0,8% de crescimento em cadeia. Espectacular. E – agora sem qualquer ironia – ainda bem.
No entanto podíamos ter ouvido vozes dissonantes. Vozes que dissessem, por exemplo, que os bons resultados do turismo eram fruto do contexto externo. Ou que o grande contributo para o salto no PIB vinha da retomada da produção da refinaria da Galp em Sines. Ou ainda que o sucesso das exportações não traduzia nenhuma reforma estrutural da economia. Ou que um bom trimestre não muda “um quadro geral de estagnação ou de crescimento pontual medíocre”.
Não nos deveria surpreender que alguém tivesse vindo apoucar as estatísticas. Até porque todos os argumentos que alinhei no parágrafo anterior encontrei-os na voz ou na escrita de responsáveis socialistas em Fevereiro de 2014, quando a economia também surpreendeu e teve um crescimento homólogo ainda mais elevado, 1,9%. Foi só “googlar” e ver o que tinham dito na altura alguns dos que hoje são os mais estridentes porta-vozes da euforia. Sendo que desta vez até poderia ter encontrado argumentos novos, como o de que parte da surpresa está na aparente contabilização para o PIB da venda dos F16 à Roménia, algo que só por si explicará um oitavo do crescimento registado.
Mas não. Lendo os jornais e ouvindo as rádios e televisões o coro era sempre o mesmo: os tansos da oposição de direita, que até saudaram os números mais positivos do crescimento em vez de fazerem o mesmo que a oposição de esquerda fazia perante números idênticos, ficaram, dizem todos os “analistas”, “sem discurso”. Porque agora o discurso só pode ser o do optimismo sorridente do primeiro-ministro e do seu ministro das Finanças. Digam eles o que disserem.
E eles dizem muita coisa. Esta sexta-feira, por exemplo, Mário Centeno congratulou-se no Parlamento ao anunciar mais outra boa notícia, a da subida do “indicador coincidente” do Banco de Portugal, assim acrescentando euforia à euforia. Fui consultar o dito indicador para ver de que estava a falar, pois trata-se de um sinal relevante do clima económico. Em Outubro esse indicador era de 0,9, de facto melhor do que em Setembro, que fora de 0,8. Só que – detalhe importante – em Outubro do ano passado era de 1,7. Ou seja, a expectativa dos agentes económicos é bem pior do que há um ano, mas como é ligeiramente melhor do que há um mês, deitam-se foguetes.