A ler...
Além do título apelativo, a história dos Panama Papers dava um filme. (...) Ou uma comédia razoável. (...) Há a rábula das virgens ofendidas com as violações nacionais do segredo de justiça que se tornam galdérias excitadas com qualquer revelação internacional obtida à socapa. Há a rábula dos regimes "progressistas" implicados, prova cabal de que o desprezo pela lógica do capital termina onde começa a possibilidade de ganhar uns trocos. (...) Há a rábula dos desiludidos com a escassez na lista de milionários de Wall Street, que engendraram imediatamente uma teoria da conspiração para imputar os "papéis" a um golpe americano. Há a rábula do Expresso, que tarda em divulgar os "ex-ministros" metidos nisto. E há, sobretudo, a rábula dos que acham sinistra a existência de "paraísos fiscais", e criminosos todos os que fogem aos infernos do género.
Enquanto as boas almas se horrorizavam com os Panama Papers, em Portugal o governo prometia apostar jovialmente o fundo da Segurança Social em "reabilitação urbana", leia-se entregar os descontos de todos a um punhado de construtores amigos.
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As terríveis offshores da lenda são, afinal, territórios que optaram por não sujeitar as pessoas a saques regulares e "legítimos". Por isso atraem fortunas. E por isso atraem o ódio dos socialistas dos vários partidos, genuinamente convencidos de que as fortunas seriam bem melhor aplicadas na satisfação de compinchas e na compra de votos
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É verdade que os Panamás e os Mónacos também atraem indivíduos corruptos ou no mínimo pouco confiáveis, por acaso o tipo de gente que nunca, eu fique ceguinho, alguma vez desempenhou funções estatais relevantes ou beneficiou delas. O facto de haver meliantes no ramo da filatelia, digamos, talvez não justifique a abolição dessa ancestral actividade.
A abolir alguma coisa, antes o socialismo.
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A ética republicana é pouco ética e demasiado republicana.
Andar aos papéis, por Alberto Gonçalves, no DN