Anda toda a gente e mais um "bicho careta" a falar e a opinar sobre o acórdão "dos subsídios" tirado pelo Tribunal Constitucional (ac. 353/2012),
mais isto e mais aquilo - cortes nos funcionários públicos por via da sua segurança laboral e cortes também nos privados por via da igualdade, tributação do capital e não apenas do trabalho,
blá, blá, blá, blá, blá, blá - ninguém sabendo do que fala mas cada um dizendo o que entende...
Por isso vale a pena ler a declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral - única que de uma forma lúcida e clarividente aborda o problema em questão. Naturalmente, ficou vencida...
2. A Constituição portuguesa protege
especialmente o trabalho e os rendimentos que com ele se aufere. Os direitos e
liberdades fundamentais que consagra são direitos do cidadão enquanto pessoa,
enquanto membro da comunidade política e enquanto trabalhador. No entanto, não
pode dizer-se que o direito à não diminuição do montante da retribuição do
trabalho que em cada momento se aufira tenha o estatuto de direito fundamental,
resistente à lei porque atribuído às pessoas pela Constituição. A razão para
tal não está no facto de esse direito não constar, expressamente, do elenco da
parte primeira da constituição. Pode haver direitos fundamentais não escritos:
nenhuma constituição é um código fechado, ou uma regulamentação exaustiva de
todas as relações entre cidadãos e Estado; não o é também, por isso, a CRP. O
motivo está na impossibilidade de atribuir a tal direito o estatuto substancial
de fundamentalidade. Precisamente por nenhuma
constituição poder ser entendida como um código exaustivo das relações entre
cidadãos e Estado, nenhuma, nem tão pouco a CRP, pode garantir que o quantum da remuneração do trabalho exista
sempre em crescendum
e nunca diminua, ao mesmo título a que garante os direitos e liberdades
fundamentais. Aquilo que é fundamental prima sobre a lei porque resiste a ela,
e à variabilidade das circunstâncias históricas em que ela é feita. O quantum da remuneração que, num dado
momento histórico, se aufere pelo trabalho que se presta ou prestou não está
incluído no núcleo das posições jurídico-subjetivas
caracterizadas por este elemento substancial de invariabilidade ao tempo
histórico da lei e às suas circunstâncias.
Por último, a medida
legislativa em apreciação justifica-se ainda no quadro do mandato
constitucional para com a integração europeia (artigo 7.º, n.os
5 e 6) da CRP). Da mesma maneira que é a responsabilidade para com a integração
europeia que valida o financiamento de certos Estados-Membros em dificuldades
financeiras por parte de outros Estados-Membros, o que implica a assunção por
estes últimos de riscos, também é essa mesma responsabilidade,
constitucionalmente estabelecida, que justifica a adoção
de uma medida que se insere no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os vários
Estados da União, maxime
entre os vários Estados da “Zona Euro”, em ordem à estabilização financeira e
económica dessa mesma “Zona Euro”.
4. Para resolver o conflito existente entre
os direitos das pessoas a não verem reduzidas as remunerações auferidas pelo
trabalho que se presta ou se prestou, e os princípios constitucionais que
acabei de mencionar, a justiça constitucional dispõe dos instrumentos metódicos
que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção
da confiança lhe conferem. Estes três princípios, que integram o núcleo da
ideia de Estado de direito, materialmente entendida, são na realidade os meios
idóneos para a resolução de antinomias entre bens jurídicos individuais e bens
comunitários (no caso da proporcionalidade), entre o grau de justiça alcançado
por soluções legislativas de aplicação universal e o grau de justiça alcançado
por medidas legislativas de aplicação pessoal sectorial (como é o caso da
igualdade), ou entre a vocação da ordem jurídica para a duração estável e a
necessidade, sentida pelo legislador ordinário, de romper essa estabilidade de
forma a melhor servir o interesse público (como é o caso do princípio da proteção da confiança).
A maioria entendeuque, por razões de evidência, era certa a existência dessas medidasalternativas quando analisado o problema sob o ponto de vista do princípio daigualdade de todos perante os encargos públicos. A medida ablatóriade parte dos rendimentos dos trabalhadores do setorpúblico e dos pensionistas e reformados foi julgada inconstitucional porviolação deste princípio, por se entender que a intensidade do sacrifício,que por via dessa medida, por razões de interesse público, seimpunha apenas a alguns, era tal que exigia a sua universal repartição portodos. Discordei, por estar convicta de que não dispunha aqui o Tribunal de nenhumaevidência que lhe permitissecomparar o grau de sacrifício exigido aos afetadospor estas medidas e o grau de sacrifício efetivamentesofrido por outros (nomeadamente os trabalhadores do setorprivado) com a conjuntura económica existente. Assim sendo, foi também minhaconvicção que não estava a justiça constitucional epistemicamenteapetrechada para invalidar, neste caso, a decisão tomada pelo legislador. Foipor isso que me pronunciei pelo juízo da não inconstitucionalidade. Maria Lúcia Amaral
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on segunda-feira, 30 de julho de 2012 at 30.7.12.
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